Morro Grande: Na Rota Tropeira do Sul do Brasil

Por, Gabrieli Salvalaio Figueredo

28 de janeiro de 2025

O tropeirismo desempenhou um papel crucial no desenvolvimento do Brasil. Utilizando principalmente mulas e cavalos, esses trabalhadores viajavam longas distâncias, criando rotas comerciais que interligavam diferentes regiões do país, ajudando a desenvolver economicamente várias cidades por onde passavam, por meio da circulação de mercadorias e a troca de produtos entre diferentes áreas.

Para além disso, os tropeiros foram de fundamental importância para o povoamento e a exploração de áreas até então inexploradas do interior do Brasil. Ao desbravarem caminhos e estabelecerem pousos e vilarejos ao longo de suas rotas, contribuíram para a ocupação de terras e a criação de novas frentes agrícolas, principalmente nas regiões sul, sudeste e centro-oeste.

Com o aumento do comércio e da necessidade de rotas mais seguras, houve uma pressão natural para o desenvolvimento da infraestrutura. Os caminhos abertos pelos tropeiros, muitas vezes trilhas simples, gradualmente se transformaram em estradas, servindo como base para o sistema rodoviário brasileiro.

Os tropeiros transportavam uma ampla variedade de mercadorias, que iam desde alimentos como charque, farinha de mandioca e milho, sal, queijo e cachaça, até tecidos, roupas, calçados, ferramentas e utensílios, pólvora e remédios. Além de transportarem mercadorias, os tropeiros, muitas vezes também conduziam animais de criação, como bois, cavalos e mulas, para serem comercializados em feiras e leilões em cidades maiores.

A principal movimentação desses rebanhos ocorria do Sul para o Sudeste. Foram criadas várias rotas para o transporte, sendo a primeira chamada de Caminho do Mar, a qual passava por Laguna-SC e seguia de barco até São Paulo.

Outra rota muito utilizada foi Viamão, que passava por regiões estratégicas no Rio Grande do Sul e adentrava Santa Catarina pelo Planalto Catarinense. De lá, seguia por cidades como Lages e avançava para o Paraná, passando por locais como Ponta Grossa e Curitiba. No estado de São Paulo, entrava por regiões como Itararé, Itapetininga e finalmente chegava a Sorocaba.

Posteriormente com a implantação de postos de coletas de impostos nos caminhos já conhecidos, acharam um atalho que desviasse da legislação. O Caminho do Sul, seguia o Caminho do Mar até Araranguá-SC e depois desviava até Morro Grande, por onde subiam a Serra para prosseguir até São Joaquim, Lages, Curitibanos e enfim adentrar ao território do Paraná e em seguida São Paulo, até Sorocaba.

As longas jornadas tropeiras demandavam paradas regulares para descanso, tanto dos tropeiros quanto dos animais. Morro Grande-SC, com sua localização nas imediações de áreas florestais e montanhosas, oferecia locais com água, sombra e pasto para alimentar os animais, ideal para o pouso tropeiro, estrutura feita com estacas de madeira e coberta com palha, que com o tempo e o aumento do fluxo de tropeiros, passou a contar com uma estrutura mais organizada, como pequenas pousadas, currais, áreas cobertas e até fogueiras permanentes para cozinhar.

Além disso, em Morro Grande, assim como em outras cidades estratégicas das Rotas Tropeiras, surgiram pequenos comércios e áreas de troca, como a Casa de Comércio Sasso, onde os tropeiros podiam adquirir mantimentos, ferramentas e insumos para a viagem. Atrás da Casa de Comércio Sasso, ficava uma sala especial para o queijo, que era trazido da Serra para revenda no município. Esses locais também se tornaram importantes para o intercâmbio cultural entre os tropeiros e as populações locais.

Sendo assim, o tropeirismo também influenciou profundamente a cultura dessas regiões, e consequentemente, do Brasil, pois suas longas jornadas e vivências nas estradas, contribuíram para a criação de tradições, lendas, músicas e uma culinária típica, como o feijão tropeiro, além de expressões como: Dar com os burros na água; Enfiar o pé na jaca; Dar no couro; Teimoso como uma mula; Ficar emburrado; Picar a mula.

Os tropeiros passavam longas horas e dias viajando a pé ou montados em cavalos e mulas, enfrentando condições climáticas adversas, como chuvas, calor intenso, frio e terrenos acidentados. As subidas eram íngrimes, com degraus que por vezes chegavam à 50cm de altura. As rotas que subiam a Serra eram estreitas e geravam muitos acidentes com os rebanhos, alguns escorregavam e caiam nos peraus, enquanto outros pereciam na “Pedra do Quebra Queixo”, pedra lisa na subida da Serra da Rocinha, na qual, em dias de chuva, muitos animais escorregavam e batiam a cabeça. Para não aumentar o tempo da jornada, os tropeiros rolavam esses animais para o perau e seguiam adiante. Essa exigência física moldou homens resistentes e com grande capacidade de adaptação ao ambiente.

Os tropeiros vestiam-se de forma prática e adequada às condições de suas viagens. O uso de camisas de botões, calças jeans ou bombachas, botas de couro na altura dos joelhos ou um pouco acima (para evitar possíveis lesões através da mata ou ataque de animais selvagens), chapéus de feltro de abas largas (para proteger o rosto e boa parte do corpo do sol e chuvas intensas) e muitas vezes o lenço amarrado no pescoço, era o comum a ser usado. Outro item importante era a capa de couro ou lã pesada, que os protegia nos dias chuvosos e frios, servindo muitas vezes como cobertor.

A solidão das estradas, a responsabilidade pelos animais e mercadorias, além dos desafios do caminho, exigiam uma forte capacidade de enfrentamento de dificuldades, seja contra doenças, ataques de animais ou até mesmo encontros hostis com bandoleiros e povos originários.

Seus conhecimentos acerca das trilhas, rios, montanhas e obstáculos naturais eram vastos e suas capacidades de se orientar pela posição do sol, das estrelas e pelos sinais da natureza, como o comportamento dos animais e o tipo de vegetação, eram excepcionais. Eles conheciam as melhores rotas para encurtar distâncias e evitar perigos, além de saberem identificar os melhores locais para os pousos.

À frente da manada ficava o ponteiro, mula com um sino pendurado ao pescoço, que sinalizava o caminho aos que vinham atrás. Além disso, o berrante, instrumento de sopro feito com chifre de boi, com formato alongado e curvado, também era usado para conduzir e orientar o rebanho.

Além desses, um dos instrumentos mais importantes era a bruaca, caixa de couro ou madeira, que transportava os mantimentos da viagem e as mercadorias que seriam vendidas. Havia ainda as guampas, chifres de bois, que auxiliavam no transporte de pólvora e água. Outro instrumento muito usado para amarrar e laçar o que fosse necessário, era o laço de couro trançado.

Quando algum animal se desgarrava da manada, um dos tropeiros da frente corria atrás do fugitivo e laçava-o com a boleadeira e retornava ao seu posto. Assim que o final da comitiva chegava, o tropeiro que ficava atrás, puxava o animal para dentro novamente.

A alimentação dos tropeiros era simples e prática, composta por alimentos de fácil conservação e transporte, como carne seca (charque), farinha de mandioca, feijão, arroz, café e erva-mate.

Embora o trabalho do tropeiro fosse muitas vezes solitário, eles viajavam em grupos, chamados de comitivas. Nessas comitivas, havia uma hierarquia informal, e os tropeiros dependiam uns dos outros para superar os desafios do caminho. O companheirismo e a solidariedade entre os tropeiros eram valores essenciais para o sucesso das jornadas.

Apenas em algumas viagens próximas, se arriscavam a levar consigo suas famílias, contudo, na maioria dos casos, passavam dias, senão meses em viagens mais longas, longe de casa. A saudade era um assombro constante, aliado a incerteza de como a família estava.

Tropeiros importantes como Pedro Dal Toé e seu filho Hilário Dal Toé, marcaram a história e o desenvolvimento morrograndense. São vários os relatos e memórias daqueles que viveram o período tropeiro em Morro Grande (SC). Cito aqui as memórias de criança de algumas pessoas: Quando se ouvia a sineta ao longe, sabíamos que eles estavam chegando. Muitas vezes ficávamos com medo, quando surgiam no escuro usando suas capas. Quando eles chegavam, logo as pessoas iam de encontro para ver o que poderiam comprar ou trocar.

O caminho da subida da Serra pelo município de Morro Grande (SC), atualmente se tornou uma trilha turística e faz parte do Geoparque Mundial da UNESCO Caminhos dos Cânios do Sul. Você pode visitar esse e outros locais que ficaram marcados pelos tropeiros na história do município, além de visitar gratuitamente o Museu da Terra e da Cultura de Morro Grande, onde está em exposição um rico acervo dos instrumentos desses heróis.

Deixo aqui explícito, meu agradecimento à esses homens que foram uma parte muito importante da história do nosso país!

Caso você esteja realizando uma pesquisa e queira usar minhas obras como imagens, pode entrar em contato comigo que compartilho elas com você.

Vale ressaltar, que elas podem ser utilizadas apenas em viés de pesquisa e conteúdo, não sendo permitido a aplicação em produtos ou impressões para venda.

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Esse projeto foi comtemplado pelo Edital de Arte e Cultura de Morro Grande (SC) de 2023, via Lei Paulo Gustavo:

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